Direito à saúde: decisões do STF explicitam disputas interpretativas sobre o dever jusfundamental de proteção integral

Dois casos paradigmáticos descortinam como o STF interpreta o papel do Estado no custeio, promoção e realização da saúde. Um deles diz respeito a uma brava decisão da Justiça Federal da Paraíba, que determinou à União o comprometimento em realizar transplantes renais para pacientes paraibanos em unidades de saúde de outros estados

Na decisão original, o magistrado da 1a. Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba (João Pessoa),  assim estribou:

 “a) determino, ao Estado da Paraíba, que realize a inscrição, por meio da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC), no prazo de 30 (trinta dias), dos 30 (trinta) primeiros pacientes constantes da lista de transplantes renais deste Estado e que estejam aptos à cirurgia, a fim de serem submetidos a transplantes de rins em unidades hospitalares fora do Estado da Paraíba, cabendo a este ente arcar com os custos de transporte e de hospedagem de acompanhante, devendo a União pagar as demais despesas; 

b) determino à União (Ministério da Saúde) que envie a este Estado da Paraíba, em no máximo 30 dias (…), uma equipe multidisciplinar destinada à realização de um diagnóstico (auditoria) completo da crise dos transplantes renais no Estado da Paraíba, para fins de apontar as causas e propor soluções através de um relatório que deverá ser anexado aos autos deste processo (…);

(…) 

d) determino ao Estado da Paraíba que, em 30 dias, improrrogáveis, apresente um relatório circunstanciado e documentado, abrangendo os últimos cinco anos (2004-2008), no qual deverão estar expostos, de forma fundamentada, esclarecedora e suficientemente detalhada, suas competências, suas políticas públicas relacionadas à questão tratada nestes autos, as ações e programas já implementados, as ações e programas que não puderam ainda ser implementados (esclarecendo as razões), bem como as ações e programas que planeja implementar, ocasião em que deverão ser listados os recursos investidos, os recursos previstos, mas não investidos, além das dificuldades (de qualquer ordem) encontradas, bem como a razão pela qual não foram superadas; em tal relatório, o Estado da Paraíba deverá enfatizar todos os aspectos relacionados com seus deveres para com o serviço e transplante de rins, diretos e circunstanciais, devendo haver um capítulo destinado à análise do Laboratório do Hemocentro, referido pelo MPF;

e) determino ao Município de João Pessoa que, em 30 dias, improrrogáveis, apresente um relatório circunstanciado e documentado, abrangendo os últimos cinco anos (2004-2008), no qual deverão estar expostos, de forma fundamentada, esclarecedora e suficientemente detalhada, suas competências, suas políticas públicas relacionadas à questão tratada nestes autos, as ações e programas já implementados, as ações e programas que não puderam ainda ser implementados (esclarecendo as razões), bem como as ações e programas que planeja implementar, ocasião em que deverão ser listados os recursos investidos, os recursos previstos, mas não investidos, além das dificuldades (de qualquer ordem) encontradas, bem como a razão pela qual não foram superadas;

(…)” (fls. 67-68). 

O Tribunal Regional Federal da 5a Região manteve a decisão do magistrado paraibano. No entando, o Min. Peluso, presidente do STF, suspendeu a decisão do TRF5, atendendo à suspensão de tutela antecipada interposta pela União.

Confira aqui a decisão do STF

Veja a seguir as notícias dos dois casos, veiculados no site do próprio STF:

Suspensa liminar que determinou à União realizar transplante renal de pacientes da Paraíba em outros estados  

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, suspendeu a execução de acórdão (decisão colegiada) prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), que confirmou liminar  concedida em Ação Civil Pública pelo Juízo da 1ª Vara  Federal de João Pessoa (PB), determinando à União que custeie a realização de transplante renal de 30 pacientes da Paraíba em outros estados, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. A decisão foi proferida pelo ministro na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) nº 390, interposta pela União. Ao suspender a decisão da instância inferior, o ministro aceitou as alegações da União de que a decisão judicial acarretaria periculum in mora (perigo na demora da decisão) inverso, por transferir problema de saúde existente na Paraíba para outros estados, prejudicando o atendimento nestes. Além disso, a União sustenta violação ao princípio da separação dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) e à organização constitucional do Sistema Único de Saúde (artigos 196 e 198 da CF).

 Por fim, afirma que o cumprimento da ordem judicial violaria o princípio da legalidade e da programação orçamentária (artigo 167 da CF) e a reserva do financiamento possível.

 O caso

 A decisão liminar atinge também o governo da Paraíba e a administração de sua capital, João Pessoa. O juiz de primeiro grau determinou ao estado, entre outros, que realize a inscrição, por meio da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC), no prazo de 30 dias, dos primeiros 30 pacientes constantes da lista de transplantes renais no estado aptos à cirurgia, para serem submetidos a transplantes de rins em unidades hospitalares fora do estado, cabendo a este arcar com os custos de transporte e hospedagem de acompanhante, e à União pagar as demais despesas.

 Ainda pela decisão liminar, o município de João Pessoa deveria, em 30 dias, apresentar relatório circunstanciado e documentado sobre os últimos cinco anos (2004 a 2008), esclarecendo suas competências relacionadas à questão.

 Decisão

 Ao decidir, o presidente do STF considerou que a União “logrou comprovar a existência de risco de grave lesão à ordem, à saúde e à economia públicas”.

 Apoiou-se, também, em informações que lhe foram prestadas pela Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes (CGSNT), do Ministério da Saúde, segundo as quais, de acordo com a Lei nº 9.434/97 e o Decreto 2.268/97 (normas regulamentadoras do Sistema Nacional de Transplantes – CNT), a realização de transplantes tem como pré-requisito a inscrição do paciente em uma lista única de espera, sob controle do Ministério da Saúde, em parceria com as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs) dos estados.

 O ministro observou que, da análise de tais informações e da legislação regulatória da matéria, “conclui-se que, ainda que se promova o deslocamento de 30 pacientes do estado da Paraíba para serem submetidos a transplante renal em outros estados, é preciso, antes, examinar as condições de compatibilidade entre doador e receptor, órgãos disponíveis, pacientes de outros estados que também estão na lista de espera etc”.

 Portanto, segundo ele, “trata-se de questão complexa, envolvendo várias considerações de ordem técnica e o cumprimento de requisitos legais que, em princípio, não são compatíveis com o juízo de mera verossimilhança/probabilidade típicos dos provimentos antecipatórios e que demandam a existência de cognição exauriente no processo principal”.

Assim, segundo ele, “sem a precisa comprovação dos fundamentos justificadores da medida, só possível após a conclusão da instrução probatória na ação principal, não se justifica a manutenção da tutela antecipada no caso”.

Ao suspender a liminar, o ministro suspendeu, também, a aplicação da multa diária determinada pelo juiz primeiro grau e confirmada pelo TRF-5.

FK/AL

Eis o segundo Caso:

Ministro Peluso mantém fornecimento de medicamentos para pacientes com doenças graves em Goiás 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, manteve decisão judicial que determinou que a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás forneça medicamentos e exames imprescindíveis ao tratamento de um grupo de pacientes portadores de doenças graves e raras. A determinação do ministro Peluso foi publicada no Diário da Justiça eletrônico nesta semana. O governo de Goiás ingressou na Corte com uma Suspensão de Segurança (SS 4229), um processo de competência do presidente do STF, para cassar liminar concedida pela Justiça goiana a pedido de Ministério Público do estado. A liminar fixou o prazo de 48 horas para o fornecimento dos medicamentos e dos exames para os pacientes. O não cumprimento da decisão seria tratado como crime de desobediência.

O governo alegou que o cumprimento da decisão causaria grave lesão à ordem e à economia públicas do estado e afirmou que haveria um potencial efeito multiplicador da determinação que beneficiou o grupo de paciente.

Peluso rechaçou esses argumentos. Segundo ele, a decisão da justiça goiana “delimitou os beneficiários da ordem judicial, a partir de indicação médica”. Ele afirma que a necessidade dos pacientes, todos portadores de doenças raras e graves, foi identificada de forma individualizada, por meio de pareceres técnicos anexados ao processo.

“Alegação de grave dano aos interesses públicos tutelados não se presume”, afirma o presidente do Supremo. Ele explica que, “para efeito de suspensão, a lesão há de ser de grande monta e não meramente hipotética ou potencial”.

Peluso também cita em sua decisão trecho de parecer do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que adotou ao decidir o caso. No trecho citado, Gurgel frisa que a comprovação da existência das patologias e da necessidade dos medicamentos foi feita de forma individualizada e lembra que suspender a decisão que determinou o fornecimento de medicamentos e exames poderá causar “danos graves e irreparáveis à saúde e à vida dos pacientes”.

RR/AL

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Processos relacionados
SS 4229

Eis o segundo caso:

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